sábado, 4 de outubro de 2008

Sujeito nº1245 - Primeira Fase.

- Por favor entre, sem medo. Diga-me o que vé.

- Dr. B. Way, parece-me tudo demasiado claro.

- Não tenha medo, vá, abra os olhos, deixe-se habituar luz e, com todo o tempo que quiser, comece a descrever o que o rodeia.

- Está claro, muito claro. Tenho a janela entreaberta mas o sol da manha entra pelo quarto adentro. As cortinas são escuras mas estão nos cantos, não tapam nenhuma luz. Está demasiado claro, sente-se o calor que entra pela janela, deve ser verão… ou então uma primavera muito quente. Tenho a cama por fazer, um lençol apenas e a coberta enrudilhada ao fundo da cama. Uma coberta leve, de linho, é branca e tem um bordado azul, 3 riscas na vertical. Estão 4 posters na parede, bandas de metal, Summoning, Amon Amarth, uma imagem da Angela dos Arch Enemy e Iron Maiden; tenho dois quadros pendurandos na parede. Feitos por amigos que não sabiam o que lhes fazer. Um roupeiro com um misto de roupa desarrumada nas gavetas e, uma perfeita ordenação nas camisas e calças penduras em cabides. Uma estante com livros, quase todos clássicos americanos. Uma cadeira a cair de podre em frente à secretária desarrumada. Tenho lá cadernos, folhas, livros, alguns apontamentos que provavelmente pedi emprestado.

Tenho a mala no chão, cheia de pins, completamente suja, castanha quando devia ser verde claro.

- Sentes-te atraido por alguma coisa?

- A mala, lembro-me que guardava lá as coisas mais preciosas.

- Pega nela se te apetece.

- Já peguei, tem lá dentro um livro, um caderno de apontamentos, um caderno para as aulas, documentos, leitor de mp3, caneta, lápis… uma pedra e uma bolota.

- Uma pedra e uma bolota porqué?

- Acho que me lembro… a pedra foi quando tive uma discussão com uma namorada antiga, ela ignorou-me enquanto berrei por algo estupido… no fim deu-me uma pedra… porque não havia mais nada a dar.

- E a bolota?

- Já não me lembro… sei que tambem foi ela que ma deu, mas já não me recordo.

- Mais alguma coisa dentro da mala?

- Sim, um papel com notas imprimidas, notas de universidade. Acho que reprovei a tudo, não sei porqué, não me lembro de o ter feito.

- Alguma razão para teres reprovado a tudo?

- Acho que não Dr. B. Way… eu não acho que isto aconteceu mesmo.

- Que é aquilo em cima do teu armário?

- Não sei… parece… um cachimbo, um bong.

- Parece-te ou é?

- É sim, já lhe peguei, e ainda tem lá erva.

- Que queres fazer? Estás no teu quarto, é o teu mundo…

- Vou acendé-lo, não faz assim tão mal, só puxar um bocadinho, o suficiente para relaxar, aquelas notas incomodaram-me.

- Faz o que quiseres, como quiseres, é o teu quarto.

- Que se passsa agora?

- Os meus pais entraram a correr pelo quarto adentro, estão a gritar comigo, viram as minhas notas… estão a dizer que tenho trabalho para fazer e que sou um drogado de merda. A minha mãe dá-me um estalo, bate-me continuamente e pega-me pelos cabelos, esfrega-me a cara num papel que estava na secretária… não quero mais estar aqui.

- Começaste isto, agora acaba. Entraste no quarto, fumaste… agora enfrenta o teu pequeno destino. Mostra-me o que acontece.

- Não quero, ela está a chorar, o meu pai nem fala, dizem que me vão tirar da universidade e que me expulsam de casa… eu não quero mais fazer isto, não quero, não quero, não me obrigue a isto, por favor.

- Onde estás agora?

- Sozinho, sentado no quarto, não há livros nas prateleiras, os cadernos estão arrumados em caixotes debaixo da cama, os posters sairam, os quadros ainda lá estão; a cama tem 3 cobertores, chove lá fora. Está frio, tenho uma camisola de lã vestida. A secretária está arrumada, não está lá nada. A mala desapareceu. Só tenho camisas e calças e casacos no armário. Está tudo demasiado bem arrumado.

- Que queres tu?

- Não quero isto…

- Põe-no a dormir se faz favor.

- Sim Dr. B. Way.

- Quais foram os resultados da 1ª fase?

- Analisando o seu comportamento… culpa, sim, muita culpa.

- Então foi um sucesso, paciente nº 790 com culpa inserida. Passemos à fase seguinte.

1 comentário:

Unknown disse...

Tripping a guilt-tripper?
Visto do meu prisma pessoal todas as memórias, lembranças ou outras conflagrações do passado são sempre fontes de culpa...
Por não ter feito mais.