segunda-feira, 17 de março de 2008

Pequenos pedaços de pedaços...

Agora observo eu, um gabarola gordo, de barba imperfeita e dentes tortos, voz de grunhidos e burro que nem uma porta. Mas ele estava confiante, seguro que nada lhe aconteceria. Provavelmente estaria muito mais seguro que eu, mais preparado. Ele teria assimilado todos os ensinamentos, todos os códigos, todas as directrizes que lhe foram alimentadas. Mesmo assim ele falharia, era simples, confiança a mais mata, eu sei-o. Quando era mais jovem era confiante, praticamente arrogante. Deixei de o ser quando cai, a confiança não leva a lado nenhum, apenas engana. Este sistema quer-nos assustados, quer que deliremos com tudo o que dizem mas, não quer que o questionemos.

Do outro lado da sala estava uma rapariga ruiva de cabelo curtinho que parecia mal cortado, trazia um gorro que lhe deixava cair a franja e bocados de cabelo para fora. Estava sentada a olhar para a mesa em sua frente. Observei-a durante uns minutos, ela parecia calma, serena, talvez conformada com o que se iria seguir. Talvez estivesse completamente preparada para o que se adivinhava. Na verdade só sei que olhar para ela me acalmava. Ela provavelmente conseguiria safar-se, nem que fosse por apenas um bocadinho, ela conseguiria safar-se, tenho a certeza. Acho que a simples ideia de que haveria mais alguém a pensar como eu dava-me um ânimo enorme, forças para continuar, como se eu estivesse ligado a ela através de um ideal.

Passaram apenas 10 minutos desde que entrei nesta sala, ela encontra-se agora praticamente cheia. Um sujeito numa cadeira, uma cadeira livre, um sujeito... uma cadeira livre. São as instruções. Deixem todos os vossos pertences à entrada. Deixem tudo, livros, malas, telemóveis, qualquer marca da vossa individualidade. Tragam apenas o instrumento da vossa salvação e a identificação fornecida pelos agentes da tirania. Não somos nada. Somos sujeitos, identificados por números e de caneta na mão.

In "Minutos Apocalipticos"

Carlos Cardoso

16/03/07

3 comentários:

Unknown disse...

Quem somos nós? Seremos mais que estatísticas, números e tabelas?
Quer raio de sociedade é esta que nos força tantas vezes a renegarmos tantas coisas simples como uma mala, ou coisas mais intimas como como um piercing, uma escolha de vestuário ou longos cabelos...
Não posso, não consigo olhar com respeito para uma sociedade que permite, quando não apoia, este estado de coisas...
Arrogância nojenta!
Continua a reflectir, vais bem!
Bah, i'm out

Unknown disse...

Apenas somos formatados se assim quisermos.
Somos formatados todos os dias, pela vivência em sociedade, mas parte de nós escolher pensar por nós próprios ou seguir o que os outros pensam.
Pessoalmente não opino sobre nada sem ver, pelo menos, três pontos de vista diferentes, isso porque escolhi pensar por mim próprio.

Resumindo e concluindo... podem catalogar o nosso corpo, o nosso genoma, mas nunca a nossa personalidade... a nossa "alma".

Anónimo disse...

vai ser cada vez pior.
ainda bem que vou morrer antes.