quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

A letra de um bêbado.

Descobri hoje mais uma parte de mim. Algo que eu já sabia… mas que na verdade nunca dera a devida atenção. Cheguei a minha conclusão sobre a minha caligrafia, essa tão íntima expressão do meu ser.

Não sou, nunca fui nem serei nem pintor, nem musico nem escultor. Exprimo-me pela minha letra e pelas palavras que ela desenha. Esculpo figuras na mente de quem me lê, espalho tinta na tela das páginas vazias, moldo figuras incompreensíveis… a minha letra…

Porque não escrever com uma letra legível? Porque não deixarem pensar que compreendem os rabiscos? Acho que sei porquê, acho que me lembro. Desde o primeiro momento, desde a primeira vez que me indicaram o quadro negro, desde o momento em que peguei no giz que me sinto preso. “Faz assim, como eu mando, faz uma curva… assim, mexe-te…”. Ordem que nunca cumpria, não porque não fosse capaz ou não quisesse. Apenas a minha mão não se queria movimentar daquela forma; desejava outros movimentos, fortes, rápidos, livres…

Lembro-me de reguadas e berros que atingiam a ponta dos dedos, que esmagavam ossos, tudo por não seguir ordens.

Relutantemente aprendi, deram-me cadernos que mais pareciam ter apenas linhas grandes e linhas pequenas, tudo feito, esquematizado para controlar tamanhos, barrar e roubar a criatividade.

Percebi que letras grandes e letras pequenas não me deixam crescer, não me deixam ser livre. Querer inclinar as letras é assim tão mau!?

Hoje é livre a letra no meu livro, primeiro suspiro? Primeiro grito de liberdade? Dantes tinha medo, não mostrava cartas escritas à mão a ninguém por receio, temor de que não compreendessem as palavras… ou o que as palavras diziam.

Começar a mostrar a minha letra a alguém a alguém foi o meu primeiro passo… espero eu que tenha sido o primeiro passo. Ouvi falar tanto sobre a relação da letra com a personalidade. Pode ser verdade que todo o meu ser esteja contido nas minhas folhas?

Passo horas a pensar onde estará a porta que me mostre aquela mística libertação do meu ser, aquele zen puro feito de luz e orgasmos estúpidos e ridículos. Quero um símbolo, quero que a minha letra seja o começo de tudo o que me liga a todos.

Quero ser um escritor livre, de algum modo a minha letra tem de ter relação com isto. Não tenho que ser certinho, não tenho que ser grande quando todos o querem. Não serei nunca mais pequeno quando me obrigam.

Quero ser a minha letra, ir para um lado num momento e ir para o outro no seguinte, seguir frenético sem poder parar. Ser enorme quando eu o quiser, ser pequeno quando me apetecer. Quero manchar as folhas com riscos apagando os erros.

Quero que alguém faça como a lua fez uma noite…e em tantas outras noites… compreender a minha letra no primeiro texto… e quero que o resto se foda, para entender basta abrir os olhos.

Carlos

08/08/05

2 comentários:

Unknown disse...

Join the club, man!
Junta te aos livre-pensadores que não querem espartilhos, não querem barras limitadoras simbólicas que alinhem as suas criações no moralmente, politicamente, eticamente, gramaticalmente ou graficamente correcto!
Deixa te levar, inclina as letras quando escreves, louco, a altas horas da noite, consumido pela paixão, inclina o pulso se assim quiseres, escreve para lá das linhas se o espaço não for suficiente, sei lá!
Sê mais!

Anónimo disse...

incrivelmente, a minha letra deve ser das mais legíveis que alguma vez vais encontrar. por que será isto? estarei eu presa? serei eu uma espécie de escrava dos anos que vão correndo e que se deixa invadir pelos atritos do politicamente correcto?
acho que não. acho que sou apenas eu.
mas, no fundo, manuscritos só os faço para mim, sou livre e serei na crença que me salvo a mim mesma todos os dias. *