Descobri hoje mais uma parte de mim. Algo que eu já sabia… mas que na verdade nunca dera a devida atenção. Cheguei a minha conclusão sobre a minha caligrafia, essa tão íntima expressão do meu ser.
Não sou, nunca fui nem serei nem pintor, nem musico nem escultor. Exprimo-me pela minha letra e pelas palavras que ela desenha. Esculpo figuras na mente de quem me lê, espalho tinta na tela das páginas vazias, moldo figuras incompreensíveis… a minha letra…
Porque não escrever com uma letra legível? Porque não deixarem pensar que compreendem os rabiscos? Acho que sei porquê, acho que me lembro. Desde o primeiro momento, desde a primeira vez que me indicaram o quadro negro, desde o momento em que peguei no giz que me sinto preso. “Faz assim, como eu mando, faz uma curva… assim, mexe-te…”. Ordem que nunca cumpria, não porque não fosse capaz ou não quisesse. Apenas a minha mão não se queria movimentar daquela forma; desejava outros movimentos, fortes, rápidos, livres…
Lembro-me de reguadas e berros que atingiam a ponta dos dedos, que esmagavam ossos, tudo por não seguir ordens.
Relutantemente aprendi, deram-me cadernos que mais pareciam ter apenas linhas grandes e linhas pequenas, tudo feito, esquematizado para controlar tamanhos, barrar e roubar a criatividade.
Percebi que letras grandes e letras pequenas não me deixam crescer, não me deixam ser livre. Querer inclinar as letras é assim tão mau!?
Hoje é livre a letra no meu livro, primeiro suspiro? Primeiro grito de liberdade? Dantes tinha medo, não mostrava cartas escritas à mão a ninguém por receio, temor de que não compreendessem as palavras… ou o que as palavras diziam.
Começar a mostrar a minha letra a alguém a alguém foi o meu primeiro passo… espero eu que tenha sido o primeiro passo. Ouvi falar tanto sobre a relação da letra com a personalidade. Pode ser verdade que todo o meu ser esteja contido nas minhas folhas?
Passo horas a pensar onde estará a porta que me mostre aquela mística libertação do meu ser, aquele zen puro feito de luz e orgasmos estúpidos e ridículos. Quero um símbolo, quero que a minha letra seja o começo de tudo o que me liga a todos.
Quero ser um escritor livre, de algum modo a minha letra tem de ter relação com isto. Não tenho que ser certinho, não tenho que ser grande quando todos o querem. Não serei nunca mais pequeno quando me obrigam.
Quero ser a minha letra, ir para um lado num momento e ir para o outro no seguinte, seguir frenético sem poder parar. Ser enorme quando eu o quiser, ser pequeno quando me apetecer. Quero manchar as folhas com riscos apagando os erros.
Quero que alguém faça como a lua fez uma noite…e em tantas outras noites… compreender a minha letra no primeiro texto… e quero que o resto se foda, para entender basta abrir os olhos.
Carlos
08/08/05